quinta-feira, dezembro 06, 2007

Corre até casa para preparar o jantar que arrefece sempre antes de tempo, por mais cedo que chegue arrefece sempre espreita pelas persianas gastas da marquise se chega, já não espera, espreita pela novela que chega sempre à hora certa, nem chega a arrefecer o jantar não espera

O filho mais velho não a conhece. Entra, come calado, deita-se fechado sobre o escuro dos lençóis pesados de ar bafiento.

terça-feira, novembro 27, 2007

Delirios (ensaio do regresso)

Conheci a Anussa na terapia de grupo para carnívoros inveterados. Estava naquela fase em que queria tornar-me vegetariano à força, mas não conseguia aguentar 2 dias sem ceder à tentação de um entrecosto grelhado, ou de um frango de churrasco. Houve uma sessão em que fui expulso da sala porque vinha a cheirar a “Zé do Frango Quente”. Eu tentei explicar que tinha sido devido a um contratempo no metro apinhado em hora de ponta que uma senhora ciosa dos seus 150 quilos e com um saco de 2 frangos cheios de molho picante, tinha encostado os sacos sobre o meu casaco, e dai aquele cheiro. Hoje em dia as pessoas são cépticas em relação a tudo. Tudo é anormalidade, e vicio.

Enfim, mas as sessões resultaram pois ao fim de 8 meses, 3 dias e 18 horas estava sem comer carne. Eu e a Anussa. Tudo começou quando após uma dessas sessões, eu e Anussa fomos comer um snack de pão de sésamo. Ela contou-me da sua vida, das suas paixões, dos pecados da carne. Trocámos ideias e encontrámos pontos comuns: os filmes favoritos “A festa de Babette”, “ Em carne Viva”, os grupos musicais que partilhávamos: “Meat Loaf”. Conversamos sobre a vida e a morte e o porquê de querermos fugir de toda a carne, de todo o sangue vivo. Não acabámos o pão de sésamo. Ela pegou em mim, e partimos para o seu refúgio secreto, onde nos entregámos à luxúria da carne em todo o seu esplendor. Ardia o ar tanto era o fogo que contaminava a carne suada. O modo como nos entregámos tão livremente, de forma tão espontânea e despreocupada, uniu-nos para sempre.

Passados 8 meses e 3 dias afastados da carne, mais próximos da virtude, da saúde, da salvação, continuamos a encontrarmo-nos e falamos de novas receitas de Tofu, da nova marca de arroz integral, de uma nova variedade de alface frisada.

Mas quando a olho nos olhos, vejo ainda o sangue a pulsar, em carne viva, e sei que estarei para sempre ligado a ela.