Delirios (ensaio do regresso)
Conheci a Anussa na terapia de grupo para carnívoros inveterados. Estava naquela fase em que queria tornar-me vegetariano à força, mas não conseguia aguentar 2 dias sem ceder à tentação de um entrecosto grelhado, ou de um frango de churrasco. Houve uma sessão em que fui expulso da sala porque vinha a cheirar a “Zé do Frango Quente”. Eu tentei explicar que tinha sido devido a um contratempo no metro apinhado em hora de ponta que uma senhora ciosa dos seus 150 quilos e com um saco de 2 frangos cheios de molho picante, tinha encostado os sacos sobre o meu casaco, e dai aquele cheiro. Hoje em dia as pessoas são cépticas em relação a tudo. Tudo é anormalidade, e vicio.
Enfim, mas as sessões resultaram pois ao fim de 8 meses, 3 dias e 18 horas estava sem comer carne. Eu e a Anussa. Tudo começou quando após uma dessas sessões, eu e Anussa fomos comer um snack de pão de sésamo. Ela contou-me da sua vida, das suas paixões, dos pecados da carne. Trocámos ideias e encontrámos pontos comuns: os filmes favoritos “A festa de Babette”, “ Em carne Viva”, os grupos musicais que partilhávamos: “Meat Loaf”. Conversamos sobre a vida e a morte e o porquê de querermos fugir de toda a carne, de todo o sangue vivo. Não acabámos o pão de sésamo. Ela pegou em mim, e partimos para o seu refúgio secreto, onde nos entregámos à luxúria da carne em todo o seu esplendor. Ardia o ar tanto era o fogo que contaminava a carne suada. O modo como nos entregámos tão livremente, de forma tão espontânea e despreocupada, uniu-nos para sempre.
Passados 8 meses e 3 dias afastados da carne, mais próximos da virtude, da saúde, da salvação, continuamos a encontrarmo-nos e falamos de novas receitas de Tofu, da nova marca de arroz integral, de uma nova variedade de alface frisada.
Mas quando a olho nos olhos, vejo ainda o sangue a pulsar, em carne viva, e sei que estarei para sempre ligado a ela.