quarta-feira, outubro 18, 2017

Improviso noturno simples

Pássaro nocturno onde vais?
Traz de volta o meu amor 
Vem depressa não esperes mais
Tenho urgência do seu calor
E de cuidar do seu cansaço
Vem depressa meu amor
Repousar no meu regaço

segunda-feira, agosto 14, 2017

Eternidade

Um jardim, 
O silêncio das cigarras,
A sombra, um regato fresco, as línguas cansadas
O Sol no horizonte
                          morre
                      ou nasce
Uma mão que percorre
                               A relva fresca
O que faz um jardim ser um jardim
E não uma mata que atravessamos
rumo a um qualquer destino?

Um instante 
                 eterno
Todos os minutos de uma vida
de todas as vidas do tempo 
de todos os tempos por existir
Os olhos que dizem
O que faz um instante ser eterno?
Hoje és a criança que serás amanhã
e a dança dos ponteiros do relógio
é uma mera coreografia do tempo que está além
dos minutos
                  dos dias
                               dos anos
Porque existe um lugar 
em que todo o tempo é apenas um instante eterno
Onde somos possíveis
Um passado presente num amanhã sem fim

Uma palavra
Um rio é agua que corre
Mas também é fronteira
                  ou caminho
Sacia a sede
               afoga o corpo
E o Amor...
      ...tantos tons de luz no reflexo de uma onda do mar
Um sorriso

As mãos
Os olhos
Um sorriso
Sinais visíveis em como o nada se faz tudo num só nome
Do que não se vê
           não se explica
                       sente-se
Além do espaço, além do tempo, além da palavra
Em ti, eternamente em ti


quinta-feira, julho 20, 2017

Síndrome Obsessesivo

Obsessão
Ter noção
Da limitação
Contenção
Observação
de perto
ao longe
me perco
me encontro
Ignorar a tentação

quarta-feira, maio 31, 2017

Correspondência

Olá,
Aquele filme.
Podia falar da excelente fotografia, da realização, do desempenho extraordinário dos actores (a Nicole Kidman está sublime), ou do enredo. Talvez do enredo. A forma como a Anna e todos nós somos enredados na crença de uma verdade em que queremos acreditar. O twist final é desconcertante. Depois, todo o filme feito de silêncios que dizem tanto. A música.
Logo após o miúdo desmaiar e na sala de espetáculos o plano da Nicole Kidman está divinal. Tanto que diz só com a expressão facial, com os olhos. A revelação. O nascimento da dúvida. O despertar. A dúvida como raiz da fé. O assombro.
Comecei a ver o filme à noite. Ia ver só o início, já era tarde, acabei por vê-lo todo. A noite segui-me pesada parecendo que tinha dormido uma vida inteira e acordado noutra.
Tenho um problema de fé. E no entanto uma necessidade insana de procurar por algo que dê um sentido, se não ao mundo, à minha presença nele. O que é também uma forma de dar sentido ao mundo. Porque tudo está em tudo. São raríssimas as coisas que não questiono. Felizes aqueles que acreditam…
Há coisas em que vou acreditando cada vez menos. Mas a experiência da vida também me tem vindo a fazer duvidar da minha própria dúvida.
Karma. Dharma. Atma.
Quando comecei a criar a minha própria concepção de vida, a reencarnação era algo do domínio de uma certa fantasia, um exotismo ilusório de querermos acreditar que nem tudo termina com a morte física do no nosso corpo. A reencarnação era tão fantasiosa como a ressurreição de Jesus, ou a aparição da virgem Maria aos pastorinhos. Um folclore criado como estratégia de marketing para garantir seguidores, ou na melhor das hipóteses uma inocente ilusão que nos conforte a existência terrena. E no entanto…
Quando era pequeno costumava fazer uma coisa: fixava-me ao espelho, concentrado apenas em mim próprio, no meu nome, na minha identidade. E de repente era como se nada disso fizesse sentido. Como se o meu reflexo fosse a imagem de um estranho, aquele espaço fosse outro lugar, como se o tempo parasse, ou melhor fosse todo o tempo naquele instante. E ai tive um primeiro vislumbre que somos mais do que o que nos anima a carne que habitamos. Mas ainda assim, queria negar que esta alma pudesse manter-se. Esta energia dissipar-se-ia assim que expirasse o último ar dos pulmões e mais nenhum entrasse. Como se para provar que algo existe tivesse que negar incessantemente o seu contrário. E quando finalmente sentes que não há mais nenhuma negação possível, encontras a verdade. Que é também ela própria ilusória, relativa, impermanente.
Hoje acredito que existem almas em níveis distintos de maturidade. Não tem a ver com inteligência, conhecimento adquirido, ambiente civilizacional em que cresceram ou qualquer outro aspeto. O que nos anima é diferente de pessoa para pessoa. Existem existências num estágio muito mais elevado, seja num pedinte, ou num erudito. E outras mais atrasadas. Existe algo que trazemos connosco que não foi apreendido. Já existia antes.
E existe algo não explicável, que não consigo identificar, não consigo racionalizar. Que chama. Que liga. Um laço indestrutível porque não se rege pelas leis da física, do espaço, do tempo.
O Sean não podia ser o Sean porque amava a Anna. Não sei se o Sean era o Sean. Ou a Anna era a Anna. Se calhar foram sem serem Sean nem Anna. Simplesmente foram, são e serão, independentemente do corpo e do tempo em que habitam. Ou então é apenas aquilo que escolho acreditar.
Sou sempre. 

quarta-feira, abril 19, 2017

Catarse

A agonia do corredor de hospital. Eu a não querer pensar em nada daquilo, não fora ser real.
Não estou doente, nem numa cama de enfermaria sequer. E no entanto sinto algo cá dentro como que partido. Como um relógio que dá sinal de meio dia quando o sol insiste em estar para além do horizonte.
A agonia do corredor de hospital. Alguém despido de si, vazio da sua dignidade, sem humanidade.
- Não há-de ser nada, vai passar
Não sou eu, que disparate. Eu estou bem. Foi algo que comi com a mania da comida saudável.
E tudo à volta tão irreal. As mesmas pessoas todos os dias. Do quarto para o corredor para a sala para o quarto.
O vulto sem nome no corredor, um lençol desmaiado enrugado pela dor. A náusea contagiada em cheiro de morte um corpo que se desfaz de uma alma que estica os braços para uma réstia de nada.
...

segunda-feira, janeiro 02, 2017

Passageiro secreto

Existe um passageiro profundo que habita em mim. Tão real como o actor que caminha na rua.
Inquieto, é na sua intuição que melhor compreendo o caminho, a paisagem, os outros. Outros retratos, outros espelhos.
O actor sabe disso. E por isso o tolera.
Por vezes tenta ignorá-lo quando teima em queimar o guião com o fogo da verdade.
O passageiro é filho da luz e da sombra. É aquele breve instante entre a noite e o dia, é o efémero perpetuo. É o que não tem nome, porque é tudo e não é nada, é o bem e o mal. É uno e é múltiplo.
Vagueia por trás da máscara da máscara da máscara da máscara.
É nesse fio de luz e sombra que desliza a ponta da caneta em que me revelo e liberto.