sexta-feira, junho 16, 2006

Com o primeiro fio de luz disvirginando o dia
assim alvoras as pétalas fechadas da flor
São lábios beijando o sol que surgia
Engravidando a manhã com seu rubor

Como se o mundo inteiro nascesse só para nós
E o que nos rodeia s desenhado apenas para ser o cenário
Das mãos que hesitam, dedos que insinuam

tic tac toe

(com dedos que abrem, mãos que se unem)
(
a luz original, antes de tudo, aquela que revela
a novidade a surpresa o desejo do desconhecido
o fulgor de tudo ser novo)
Mas a alegria esconde uma gota de orvalho surpreendida

[em construção; Ainda em Luz Construo-te]
Renovação

A tardinha chegava junto de nós dourando-te a pele. E quando pousavas os frutos que colhemos, esvoaçava o aroma a laranja nas ondas do teu cabelo. Hesitava, evitava o seu apelo, fugia o olhar caindo na armadilha das minhas mãos roçarem as tuas. Dedos longos, esguios que desenhavam sonhos quentes no ar que respirávamos. E o que dizíamos já não morava nas palavras que deixavam a nossa boca, e disfarçávamos a cumplicidade apenas com um sorriso infantil.
Podíamos afinal, tu e eu
O calor de Junho, o rumor do silêncio visitado pelas cigarras, a ausência do mundo, feito nosso mundo

Já dizias que me amavas, mesmo sem palavras, que é a forma mais pura de desvendar a essência do amor. Eu sabia-o, sentia-o. Ainda assim pressentia as palavras a palpitar dentro de ti, timidamente querendo despertar, primeiro a lápis, depois a fogo gravadas em mim.

Here Comes the Sun...

Little darling, it's been a long cold lonely winter

Little darling, it feels like years since it's been here

Here comes the sun,

Here comes the sun, and I say

It's all right

quarta-feira, junho 14, 2006

Epitáfio em 3 fases (parte 3)

Já fechei a porta da casa abandonada
Nas paredes imagens desvanecem em sépia
O silêncio cortado pelo ranger da escada
E das portadas chora um fio de luz réstia

Já deixei a estrada que julguei nossa, perdida
O destino infinito foi abatido por um sinal:
Sem futuro, sem saída, em frente terra batida
E do espelho, cada vez mais longe a ferida

Já partiu o barco numa noite negra
Desfazendo em curva a saudade,
Longe a luz do farol pulsa lenta,
quase morta, quase cega

Já não existe dor, de ti nem sequer rumor
Apenas um sulco gravado na alma,
E o pó do tempo que o preenche em seu redor

Adeus

Da noite se faz dia, é preciso morrer para
R E N A S C E R

sexta-feira, junho 09, 2006

Epitáfio (parte 2)

SE EU NÃO TE AMAR MAIS

Se eu não te amar mais me
Caia o mar nos ombros
Me caia
Este silêncio pelos ossos dentro
Me cegue os olhos esta sombra
Me cerre
Esta noite num escuro mais profundo
Do que a chuva de ti de mãos tão leves
A figueira do meu sangue se emudeça
De pássaros à espera dos teus passos
De outra voz por sobre a minha
Morta
E as ruas do teu corpo eu desaprenda
Como desaprendi os dedos que me tocam
E se eu não te amar mais me caia a casa
De costa no teu peito como o vento.

(ANTONIO LOBO ANTUNES)

terça-feira, junho 06, 2006

Epitáfio (parte 1)

Estava decidido em procurar-te. Precisava ver-te. Tantas palavras por dizer, tanto ruido disfarçado de silêncio. A manhã não tinha sido fácil, mas precisava ver-te. Não almoçou, mas foi ao seu encontro.
- Passei por aqui perto, e resolvi visitar-te (como quem vagueia sem rumo e toma um caminho qualquer; olha não tinha mais nada para fazer, e lembrei-me de te dizer olá)

O essencial continuava ancorado no mar que nos separava, apenas banalidades sobressaiam

- Como tens passado? O que tens feito? (Em que ponto ficámos, onde nos perdemos)

Caminhava feliz por estar a teu lado, mas faltava o principal. Pressentia uma marcha fúnebre. A derradeira caminhada. E apesar

- sinto a tua falta (quero estar contigo, chama-me, pede-me, exige-me)

Estava preparado para tudo, para responder a tudo, mas evitava as questões em mim próprio. Temia que não viesses, e assim não te procurei. Esperei. Esperavas. Não falei. Não disseste.E o tempo sepultou as palavras que aprisionavam o sentimento.

- Liga-me, para combinar-nos algo (um livro, o fim do mundo, um filho, um sonho, 5 minutos de tudo)

- Logo se vê (não a veria mais)

sexta-feira, junho 02, 2006

Os beijos já não procuravam os seus lábios, fugazes (frios e distantes daqueles quentes dias da primavera), cruzavam-se como estranhos num cinzento dia de Inverno. Os lábios sepultavam o silêncio de tudo aquilo que já não podia ser dito. O corpo leito cansado de um percurso que se repete exaustivamente, sem pensar, sem lembrar.

Do Sol e da Lua, somos todos filhos

Tudo era novo, como se o universo começasse na luz que nascia do encontro do seu olhar. E os instantes eternidade, de palavras banais feitas poemas, de mãos que estremecem ao pressentir a proximidade das outras. Tudo é perfume, esplendor, procura e desejo de êxtase. Quando pela primeira vez os lábios se tocam, como se nada tivesse existido antes daquele momento, o calor único, o toque macio selando o mistério, revelando a doce ternura do Amor.

quarta-feira, maio 24, 2006

A noite pesada avoluma a solidão em frente à televisão que preenche um silêncio oco. Já não espera nem o som do telefone, nem da porta. Nem o vento a visita para libertar o ar cheio de mofo. E no sofá decadente masturba ilusões e sonhos perdidos, amputada que está de sentir o ardor da vida.

terça-feira, maio 16, 2006

Da janela das águas furtadas avistava-se a cidade grávida de solidão. Na minúscula mesa encravada na sala, um pano de renda desconcertante derramava uma brancura gasta. Uma caixa de porcelana da feira do relógio, uma fotografia antiga. Alguns livros comprados a lote encadernam uma pequena estante que se encavalita junto à janela. Não se apercebe da sombra que habita, do equivoco de uma existência que apenas acumula a poeira do tempo que passa.

quinta-feira, abril 20, 2006

Vivemos no limiar do fim, sem sabermos, estamos já mortos. Maquilhados, disfarçados, sorridentes, presidentes, mas vazios. Mortos. Avançado estado de coma.

José adormecido na poltrona da sua vivenda com o olhar derramado sobre a televisão de um qualquer domingo. E por trás o olhar, apenas a falência da alma esquecida na infância.

[Um dia não permitirão que eu exista. Descobrirão uma anomalia genética que me desvia do padrão humano, susceptível de originar comportamentos não previsíveis e inesperados. Tudo será controlável, perfeito, ideal]

O meu olhar é uma gota do mundo
Oráculo de verdades adormecidas

sexta-feira, março 31, 2006

Espero um sinal
um eco de retorno
Uma palavra
que abra a porta que fechei

Espero que escrevas num mural
a raiva, a mágoa, a dor
Um castigo
que rasgue a tristeza que te dei

Espero de ti afinal
o que sempre foste e perdi
uma amiga
que exista em mim ...

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Olho um retrato que guarda o tempo de que não me apercebi
Tão feliz tão perto de mim
pleno
intenso
Sorrio interiormente por sentir vivo aquele momento,

E no entanto o tempo passou e não me apercebi
Que o que me rodeia, muda sem fim
crescendo
vivendo
E um leve sobressalto pelo que me trará amanhã o vento.